A Assembleia Legislativa, como representação de todos os setores da sociedade baiana, já teve a oportunidade de receber e homenagear personalidades das mais diversas denominações religiosas, mas provavelmente nunca havia acolhido, em seu plenário, representantes de tantas ao mesmo tempo, como ontem à tarde. A ocasião foi a sessão especial para a concessão post-morten da Comenda 2 de Julho ao pastor Djalma Torres, honraria proposta pelo deputado Robinson Almeida (PT).
A explicação foi sintetizada pelo professor Eduardo Hoornaert: o homenageado não se ateve a buscar o ecumenismo entre igrejas cristãs. “Era um ecumenismo que ia muito além disso”, disse, lembrando que Djalma “mantinha amizade com grupos do Candomblé, por exemplo, com a famosa Mãe Menininha do Gantois”. Hoornaert não esteve presente ao evento, mas, a exemplo de outras pessoas de vários pontos do país, gravou seu depoimento em vídeo.
Djalma se tornou destacado líder religioso, tendo ficado à frente da Igreja Batista de Nazareth por mais de 30 anos. “Escritor e mestre em Teologia, foi um ferrenho intercessor do diálogo inter-religioso e do ecumenismo, defendendo sempre o indistinto respeito à liberdade e de fala do cidadão ante o segmento religioso que pretendesse professar.
Foi de Robinson o primeiro pronunciamento de saudação. O parlamentar revelou a proximidade que tinha com o pastor, desde a conterraneidade de seus pais, que nasceram na mesma Iguaí de Djalma, como a amizade e a parceria de luta que se criou com seu irmão, Paulo Torres. “Era como se estivesse sempre com Djalma ao meu lado”, disse. O parlamentar lembrou que foi apresentado a ele pelo amigo Sérgio Maranhão, a quem agradeceu por isso. Lembrou que seu casamento foi celebrado por Djalma e disse que as palavras dele marcaram não só a ocasião, mas o dia a dia do casal ao ter entregue por escrito sua fala.
“A ação do pastor Djalma se confunde com os movimentos mais generosos da nossa sociedade desde a década de 1970, os mais libertários, pela justiça, pela democracia, pela liberdade de expressão”, disse o petista, ressaltando que ele fez isso sempre sem perder o bom humor e a leveza. “Na época da ditadura, era difícil resistir à repressão e todo seu terror, tortura e assassinatos, mas isso não amedrontou Djalma ao liderar sua Igreja Batista de Nazareth a acolher perseguidos políticos, participar de campanhas por anistia dos presos políticos, de denunciar os abusos contra os direitos humanos”.
A vida de Djalma não foi fácil e quem ajudou a compreender isso foi Paulo Torres. Ele contou que o irmão foi o segundo de 12 filhos, criados com muita dificuldade pelo pai Antonio, lavrador, pedreiro e carpinteiro, e a mãe Angélica. Todos tiveram que trabalhar desde cedo. Mesmo assim, os pais lutaram para que todos pudessem estudar e tivessem oportunidade de melhorar e crescer. Como líder religioso, teve que demover os obstáculos criados por aqueles que tinham uma visão sectária da religião e não aceitavam sua visão generosa de um Deus mais plural.
Pela família, também falou Maurício, filho de Djalma. Ele agradeceu a todos que propiciaram e que prestigiaram a entrega da comenda “que homenageia a trajetória de vida de nosso pai”, a começar por Robinson. Ressaltou que “poucas pessoas conseguem mudar o mundo para além de seu círculo de relacionamento”, como seu pai o fez. “Suas palavras e ações ganharam o mundo e contribuíram decisivamente para uma narrativa diferenciada de Deus, um Deus despreocupado com sua unicidade e feliz com sua manifestação ubíqua e plural”, disse.
Maurício afirmou que a caminhada do pai “ajudou a resgatar uma nova possibilidade de ser Igreja, inclusiva, fraterna” e que também “marcou decisivamente a vida de cada um de nós em sua família, sua esposa, filhos e netos, reflexo na vida pessoal das escolhas feitas em prol de uma visão”.
Também estiveram presentes os outros filhos de Djalma, Fabrício e Clarissa, que ocuparam a tribuna para cantar Migração, música que em seu último verso diz que “lutar nunca foi em vão”. Emocionou e foi aplaudida de pé. O Coral Ecumênico da Bahia também se apresentou com algumas canções intercaladas com as sessões de vídeos.
Foram tantas as personalidades, entre representantes de instituições e de religiões como padres, missionários, pastores, ialorixás e babalorixás e imã islâmico que seria impossível citar uma por uma. O senador Jaques Wagner, por sua vez, não pode estar presente, mas pediu que Robinson lesse uma saudação que preparou para a ocasião, no qual ele disse que o pastor Djalma é um exemplo para toda a sociedade, que vive momentos muito difíceis de ódio e intolerância.
A mesa dos trabalhos foi composta por Paulo e Maurício; a procuradora de Justiça Claudia Cunha dos Santos; a secretária da Promoção da Igualdade, Fabya Reis; pastor Joel Zeferino, da Igreja Batista de Nazaré; pai Raimundo de Xangô, do Centro Umbandista Paz e Justiça; mãe Antonieta, do Terreiro Ilê Axé Omin Odé; xeque Abdul Ahmad, do Centro Islâmico da Bahia; padre Lázaro Muniz, pároco da Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Preto; Neidinha Rehem, do Instituto Popular Memorial de Canudos; pastora Camila Oliver, presidente da Aliança de Batistas do Brasil; reverenda Bianca Daebs, do Conselho Ecumênico Baiano de Igrejas Cristãs; reverenda Sonia Mota, da Coordenadoria Ecumênica de Serviço (Cese); e o pastor Expedito Lopes, da Igreja Evangélica Antioquia.